18/02/2017

por Filipe Pereira

Lançado em dois volumes, o especial Batman: Lendas do Cavaleiro das Trevas – Alan Davis traz as participações marcantes do desenhista a frente do Cruzado Encapuzado, aparições quase sempre clássicas, apesar de serem do baixo número em comparações com tantos outros artistas recorrentes do Morcego. A primeira das histórias reúne a equipe criativa formada pelo homenageado desenhando, pelos roteiros de Michael W. Barr e arte final de Paul Neary. A união entre os três se alastraria pela maioria das histórias mostradas, e resgataria uma face mais escapista do herói, distanciando-o da figura concebida por Frank Miller no mesmo ano de 1986, em O Cavaleiro das Trevas.


Qualquer resenha de quadrinhos deve levar em conta a face que Barr escolhe para Batman, associando-o a um personagem mais vívido e falante, diferenciando-se demais da figura sombria que alguns fãs costumam idolatrar. Seu comportamento é repleto de cores, acompanhado de seu sidekick, que distribui sopapos e frases de efeito de modo indiscriminado, e que tem intimidade suficiente até para discutir com seu parceiro sobre seus envolvimentos amorosos com a Mulher-Gato.

O foco deste arco é na relação entre o trio de justiceiros, e a tentativa do Coringa em tentar corromper o ethos da felina, que estava agora alistada junto a bat-família. A trama começa por Detective Comics #569 e mostra Jason Todd como um Robin não tão rebelde quanto o visto em Morte em Família, ao contrário, seu comportamento é submisso, ainda que já flerte com alguns indícios da puberdade em ebulição. É curioso como essa confusão hormonal faz uma combinação com a lavagem mental que sofre a vigilante Selina Kyle, após uma intervenção do Coringa, que tenta adequá-la a sua insana e torpe psique bandida.

Curioso como os eventos que ocorrem pouco tem consequências práticas, mesmo com rompimentos que em um drama adulto, seriam bastante sérios. Os roteiros não passam do ordinário, na verdade valem menção pelo traço fino de Alan Davis, e por poucas referências, como a previsão da morte de Jason Todd, em um pequeno chiste após uma luta com o Espantalho.


Em O Livro do Juízo Final, há uma homenagem ao cinquentenário da Detective Comics, reunindo detetives do cânone da cultura pop, mostrando o modo de operar dos investigadores. A narração começar por Mister Bradley, um detetive particular que faz referência direta as novelas noir, que obviamente influenciaram Bob Kane e Bill Finger na criação do Cruzado Encapuzado. As partes da história mudam de equipe artística frequentemente, exibindo um caráter despretensioso, que tem o mérito de referenciar Sherlock Holmes de modo muito reverencial, em um momento emocional no desfecho do primeiro volume.

Os registros dão sequência a uma aposentadoria forçada do Chapeleiro Louco, após um tratamento psiquiátrico cuja terapia era ligada a sublimação de sua obsessão por chapéus. Logo o paradigma muda e ele retorna a vida de crimes, engendrando um ataque que quase mata Jason Todd. O acontecimento serve basicamente para retomar a relação com Leslie Thompkins, e também, para relembrar os laços afetivos entre a mãe adotiva e o pequeno Bruce Wayne, recém órfão e tão afeito a marginalidade quanto foi a história de Jay Todd.


O volume segundo inicia o arco que foi posteriormente denominado Ano Dois, já que pela ideia original de Mike W, Barr não o era. O único volume desenhado por Alan Davis marcou o fim de seu primeiro ciclo em Detective Comics, ainda inconcluso o trabalho narrativo. O retorno se daria na saga Full Circle, lançada em 1991, até então inédita em edições brasileiras. Círculo Completo tem um tom um pouco mais acinzentado que as outras histórias de Barr e Davis, assim como foi em Batman Ano Dois e mais próximo do visto nas histórias do roteirista que remontam a disputa ideológica entre o Morcego e Ras All Ghull, inclusive mostrando um paralelo com o antagonista, vista no proto-Batman que seria a figura do Ceifador e seu alter ego, semelhante até fisicamente com o Cabeça de Demônio.

O tom retorna ao sombrio, ainda que haja um tom de amálgama entre o herói calado e o escapismo típico da dupla de autores a frente das histórias do cruzado. O retorno do Ceifador resgata a discussão do ultra-moralismo e do fascismo derivado dessa caça indiscriminada a vilões e marginalizados, quase sempre punindo os personagens que tem no sexo e na promiscuidade o cerne de seus comportamentos.

A narrativa tenta justificar alguns dos estranhos conceitos vistas em Ano Dois, como a união entre Joe Chill e Batman, com uma interessante trama de legado, com o filho de Joe envolvido diretamente com a trama de banditismo, envolvendo também um laço familiar, que faz eco na paternidade adotiva de Wayne com Dick Grayson. A história acaba por ter mais significado a partir do momento em que foca em resgatar os traumas de infância dos personagens, uma vez que se investiga a motivação de vingança de cada um, separando bem o que ocorreu como Wayne e Chill, pondo-os em lados opostos da lei, mas igualmente cegos, graças a dor da perda que ambos tiveram.

De certa forma a ação do menino prodígio faz lembrar a trama vista no resgate do Robin de Chris O’Donnell em Batman Eternamente, que também salva o herói sem a sua “autorização”, ainda que a receptividade na revista seja muito mais positiva do que no filme de Joel Schumacher, até porque o efeito na ação do vigilante foi de inspiração, para que ele saísse da armadilha e finalmente enfrentasse fisicamente seu opositor.

O tomo é bastante violento, até para os padrões de Michael W. Barr, compondo assim uma ótima despedida de Alan Davis do título, conseguindo imprimir uma história final interessante e de tom diferenciado. O volume dois termina com uma breve história em preto e branco, denominada Saideira no McSurley’s, que também possui uma temática de violência urbana, fugindo da pecha de história escapista, que em suma, mostram a versatilidade de Alan Davis em produzir histórias de teor tão diferentes.


 – Texto de autoria de Filipe Pereira, jornalista, escritor e editor do site Vortex Cultural – http://vortexcultural.com.br/

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