por Filipe Pereira
Lançado em dois volumes, o
especial Batman: Lendas do Cavaleiro das Trevas – Alan Davis traz as
participações marcantes do desenhista a frente do Cruzado Encapuzado, aparições
quase sempre clássicas, apesar de serem do baixo número em comparações com
tantos outros artistas recorrentes do Morcego. A primeira das histórias reúne a
equipe criativa formada pelo homenageado desenhando, pelos roteiros de Michael
W. Barr e arte final de Paul Neary. A união entre os três se
alastraria pela maioria das histórias mostradas, e resgataria uma face mais
escapista do herói, distanciando-o da figura concebida por Frank Miller
no mesmo ano de 1986, em O Cavaleiro das Trevas.
Qualquer resenha de quadrinhos deve levar em conta a
face que Barr escolhe para Batman, associando-o a um personagem mais vívido e
falante, diferenciando-se demais da figura sombria que alguns fãs costumam
idolatrar. Seu comportamento é repleto de cores, acompanhado de seu sidekick,
que distribui sopapos e frases de efeito de modo indiscriminado, e que tem
intimidade suficiente até para discutir com seu parceiro sobre seus
envolvimentos amorosos com a Mulher-Gato.
O foco deste arco é na relação
entre o trio de justiceiros, e a tentativa do Coringa em tentar corromper o
ethos da felina, que estava agora alistada junto a bat-família. A trama começa
por Detective Comics #569 e mostra Jason Todd como um Robin não tão rebelde
quanto o visto em Morte em Família, ao contrário, seu comportamento é submisso,
ainda que já flerte com alguns indícios da puberdade em ebulição. É curioso
como essa confusão hormonal faz uma combinação com a lavagem mental que sofre a
vigilante Selina Kyle, após uma intervenção do Coringa, que tenta adequá-la a
sua insana e torpe psique bandida.
Curioso como os eventos que
ocorrem pouco tem consequências práticas, mesmo com rompimentos que em um drama
adulto, seriam bastante sérios. Os roteiros não passam do ordinário, na verdade
valem menção pelo traço fino de Alan Davis, e por poucas referências, como a
previsão da morte de Jason Todd, em um pequeno chiste após uma luta com o
Espantalho.
Em O Livro do Juízo Final, há uma
homenagem ao cinquentenário da Detective Comics, reunindo detetives do cânone
da cultura pop, mostrando o modo de operar dos investigadores. A narração
começar por Mister Bradley, um detetive particular que faz referência direta as
novelas noir, que obviamente influenciaram Bob Kane e Bill Finger
na criação do Cruzado Encapuzado. As partes da história mudam de equipe
artística frequentemente, exibindo um caráter despretensioso, que tem o mérito
de referenciar Sherlock Holmes de modo muito reverencial, em um momento
emocional no desfecho do primeiro volume.
Os registros dão sequência a uma
aposentadoria forçada do Chapeleiro Louco, após um tratamento psiquiátrico cuja
terapia era ligada a sublimação de sua obsessão por chapéus. Logo o paradigma
muda e ele retorna a vida de crimes, engendrando um ataque que quase mata Jason
Todd. O acontecimento serve basicamente para retomar a relação com Leslie
Thompkins, e também, para relembrar os laços afetivos entre a mãe adotiva e o
pequeno Bruce Wayne, recém órfão e tão afeito a marginalidade quanto foi a
história de Jay Todd.
O volume segundo inicia o arco
que foi posteriormente denominado Ano Dois, já que pela ideia original de Mike
W, Barr não o era. O único volume desenhado por Alan Davis marcou o fim de seu
primeiro ciclo em Detective Comics, ainda inconcluso o trabalho narrativo. O
retorno se daria na saga Full Circle, lançada em 1991, até então inédita em
edições brasileiras. Círculo Completo tem um tom um pouco mais acinzentado que
as outras histórias de Barr e Davis, assim como foi em Batman Ano Dois e mais
próximo do visto nas histórias do roteirista que remontam a disputa ideológica
entre o Morcego e Ras All Ghull, inclusive mostrando um paralelo com o antagonista,
vista no proto-Batman que seria a figura do Ceifador e seu alter ego,
semelhante até fisicamente com o Cabeça de Demônio.
O tom retorna ao sombrio, ainda
que haja um tom de amálgama entre o herói calado e o escapismo típico da dupla
de autores a frente das histórias do cruzado. O retorno do Ceifador resgata a
discussão do ultra-moralismo e do fascismo derivado dessa caça indiscriminada a
vilões e marginalizados, quase sempre punindo os personagens que tem no sexo e
na promiscuidade o cerne de seus comportamentos.
A narrativa tenta justificar
alguns dos estranhos conceitos vistas em Ano Dois, como a união entre Joe Chill
e Batman, com uma interessante trama de legado, com o filho de Joe envolvido
diretamente com a trama de banditismo, envolvendo também um laço familiar, que
faz eco na paternidade adotiva de Wayne com Dick Grayson. A história acaba por
ter mais significado a partir do momento em que foca em resgatar os traumas de
infância dos personagens, uma vez que se investiga a motivação de vingança de
cada um, separando bem o que ocorreu como Wayne e Chill, pondo-os em lados
opostos da lei, mas igualmente cegos, graças a dor da perda que ambos tiveram.
De certa forma a ação do menino
prodígio faz lembrar a trama vista no resgate do Robin de Chris O’Donnell
em Batman Eternamente, que também salva o herói sem a sua “autorização”,
ainda que a receptividade na revista seja muito mais positiva do que no filme
de Joel Schumacher, até porque o efeito na ação do vigilante foi de inspiração,
para que ele saísse da armadilha e finalmente enfrentasse fisicamente seu
opositor.
O tomo é bastante violento, até
para os padrões de Michael W. Barr, compondo assim uma ótima despedida de Alan
Davis do título, conseguindo imprimir uma história final interessante e de tom
diferenciado. O volume dois termina com uma breve história em preto e branco,
denominada Saideira no McSurley’s, que também possui uma temática de violência
urbana, fugindo da pecha de história escapista, que em suma, mostram a
versatilidade de Alan Davis em produzir histórias de teor tão diferentes.
– Texto de autoria de Filipe Pereira,
jornalista, escritor e editor do site Vortex Cultural – http://vortexcultural.com.br/