por Filipe Pereira
A começar pelo passado do
universo heroico da Marvel, situado em 1989, o roteiro de Homem-Formiga
mostra Hank Pym ainda novo, numa roupagem em CGI que resgata a imagem
rejuvenescida de Michael Douglas, transportando-o de certa forma a tempos
de carreira mais tranquilos, relembrando uma época em que não era duramente mal
visto pela crítica
de cinema em geral. No recinto estão Howard Stark (John Slattery)
a antiga Agente Carter (Hayley Atwell) e outros personagens, que também
remetem aos primórdios do universo cinemático da Casa das Ideias, em uma
sociedade quase distópica, no auge da paranoia da Guerra Fria.
A trama não demora a chegar ao
presente, mostrando a dificuldade de Scott Lang (Paul Rudd) em se
reabilitar diante da sociedade, mesmo com a condição de pai ausente e
ex-presidiário. No entanto, o pieguismo flerta com o texto, ao mostrá-lo sempre
como um fora da lei que tem preocupações além do ordinário, a começar pelo fato
de refutar a violência, além é claro da fraude que protagonizou seu mandato de
prisão. A pouca afeição pela normatividade, o humor que lhe cerca –
especialmente pelo núcleo liderado pelo alívio cômico da personagem de Michael
Peña, Luis – e seu ethos fortificado faz de Lang a melhor possibilidade de
sucessor para os ideais de Hank, que aos poucos, vê suas invenções serem
alcançadas por seu antigo pupilo Darren Cross, interpretado pelo cada vez mais
versátil Corey Stoll.
O guião de Edgar Wright – que
saiu brigado durante a produção do filme – Joe Cornish, Adam McKay
e Rudd varia de tema, entre mudanças posturais e a tentativa de resgatar o
saudosismo e nostalgia do passado áureo. Apesar dos poucos erros de ritmo, a
fita tem receio de se assumir como produto de comédia, mas quando o faz acerta
demais, já que sua maior força está nos aspectos blockbuster, que curiosamente
copiam a forma vista em 2008 no Homem de Ferro de Jon Favreau.
Interessante também é a repetição de plot ligado ao corporativismo
maléfico/maniqueísta, com um vilão como barão da indústria.
O argumento final mais acerta do
que falha, especialmente se comparado aos recentes Jurassic World e O
Exterminador do Futuro: Gênesis, com bem menos furos que “sucessos”
recentes do cinema arrasa quarteirão. Homem-Formiga corre bem como filme de
legado, fazendo sentido inclusive na polêmica troca de protagonismo primário,
graças especialmente a boa interação entre Rudd e Douglas, que não deixam
dúvidas do quão íntimos e parecidos são Lang e Pym, a despeito de qualquer
discussão a respeito da descartabilidade geral.
O filme reprisa a toada de
conspiração relacionado a Hydra, visto em Capitão America: Soldado Invernal e
na primeira temporada de Agentes da Shield, além de reverenciar visual e
espiritualmente, a viagem mental de A Origem, usando pedaços inteiros do
mote que Christopher Nolan pensou para seu filme autoral.
O clima de aventura prossegue
intenso, relembrando bons momentos dos filmes descompromissados dos anos
oitenta. Mesmo com a saída conturbada de Edgar Wright, Homem-Formiga se
sustenta bem, apesar de claro deixar a sensação de que poderia ser bem mais
grandioso e eloquente se ainda estivesse sob as mãos do realizador da trilogia Three
Flavours Cornetto, podendo então rivalizar em carisma com o que foi
enquadrado em Guardiões das Galáxias, fugindo mais ainda do genérico
padrão de filmes medianos da Marvel. A escolha pelo lugar-comum até funciona,
mas manieta e restringe o potencial qualitativo da obra.
– Texto de autoria de Filipe Pereira,
jornalista, escritor e editor do site Vortex Cultural - http://vortexcultural.com.br/