18/02/2017

 por Filipe Pereira

A começar pelo passado do universo heroico da Marvel, situado em 1989, o roteiro de Homem-Formiga mostra Hank Pym ainda novo, numa roupagem em CGI que resgata a imagem rejuvenescida de Michael Douglas, transportando-o de certa forma a tempos de carreira mais tranquilos, relembrando uma época em que não era duramente mal visto pela crítica de cinema em geral. No recinto estão Howard Stark (John Slattery) a antiga Agente Carter (Hayley Atwell) e outros personagens, que também remetem aos primórdios do universo cinemático da Casa das Ideias, em uma sociedade quase distópica, no auge da paranoia da Guerra Fria.

A trama não demora a chegar ao presente, mostrando a dificuldade de Scott Lang (Paul Rudd) em se reabilitar diante da sociedade, mesmo com a condição de pai ausente e ex-presidiário. No entanto, o pieguismo flerta com o texto, ao mostrá-lo sempre como um fora da lei que tem preocupações além do ordinário, a começar pelo fato de refutar a violência, além é claro da fraude que protagonizou seu mandato de prisão. A pouca afeição pela normatividade, o humor que lhe cerca – especialmente pelo núcleo liderado pelo alívio cômico da personagem de Michael Peña, Luis – e seu ethos fortificado faz de Lang a melhor possibilidade de sucessor para os ideais de Hank, que aos poucos, vê suas invenções serem alcançadas por seu antigo pupilo Darren Cross, interpretado pelo cada vez mais versátil Corey Stoll.

O guião de Edgar Wright – que saiu brigado durante a produção do filme – Joe Cornish, Adam McKay e Rudd varia de tema, entre mudanças posturais e a tentativa de resgatar o saudosismo e nostalgia do passado áureo. Apesar dos poucos erros de ritmo, a fita tem receio de se assumir como produto de comédia, mas quando o faz acerta demais, já que sua maior força está nos aspectos blockbuster, que curiosamente copiam a forma vista em 2008 no Homem de Ferro de Jon Favreau. Interessante também é a repetição de plot ligado ao corporativismo maléfico/maniqueísta, com um vilão como barão da indústria.

O argumento final mais acerta do que falha, especialmente se comparado aos recentes Jurassic World e O Exterminador do Futuro: Gênesis, com bem menos furos que “sucessos” recentes do cinema arrasa quarteirão. Homem-Formiga corre bem como filme de legado, fazendo sentido inclusive na polêmica troca de protagonismo primário, graças especialmente a boa interação entre Rudd e Douglas, que não deixam dúvidas do quão íntimos e parecidos são Lang e Pym, a despeito de qualquer discussão a respeito da descartabilidade geral.

O filme reprisa a toada de conspiração relacionado a Hydra, visto em Capitão America: Soldado Invernal e na primeira temporada de Agentes da Shield, além de reverenciar visual e espiritualmente, a viagem mental de A Origem, usando pedaços inteiros do mote que Christopher Nolan pensou para seu filme autoral.

O clima de aventura prossegue intenso, relembrando bons momentos dos filmes descompromissados dos anos oitenta. Mesmo com a saída conturbada de Edgar Wright, Homem-Formiga se sustenta bem, apesar de claro deixar a sensação de que poderia ser bem mais grandioso e eloquente se ainda estivesse sob as mãos do realizador da trilogia Three Flavours Cornetto, podendo então rivalizar em carisma com o que foi enquadrado em Guardiões das Galáxias, fugindo mais ainda do genérico padrão de filmes medianos da Marvel. A escolha pelo lugar-comum até funciona, mas manieta e restringe o potencial qualitativo da obra.


– Texto de autoria de Filipe Pereira, jornalista, escritor e editor do site Vortex Cultural - http://vortexcultural.com.br/

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