04/12/2016

No ano de 1940, em Batman n.º1, o universo dos quadrinhos, através de Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson, ainda que não soubesse, revolucionaria a indústria dos vilões ao apresentar a seus leitores o maior – senão o maior entre os maiores – rival do homem morcego: “O Coringa" (The Joker).

Criado para uma única história, o palhaço do crime teve uma aceitação ímpar e logo foi incorporado definitivamente à galeria de vilões do Batman, até mesmo passando a rivalizar Superman em 1957. Assim como todos os personagens dos quadrinhos, o príncipe palhaço passou por diversas transformações ao longo das décadas até chegar a sua atual versão, criada por Scott Snyder e Greg Capullo – levando em conta que sua última aparição em publicações nacionais foi em “End Game” –, todavia, diferentemente dos outros, quando se trata do Coringa, tais mudanças vão muito e muito além de traços, cores e falas.

Inspirado no visual do ator Conrad Veidt no filme “O Homem que Ri”, muito embora Jerry Robinson atribua a criação do personagem a sua paixão pelo baralho, “O Coringa” foi de cara introduzido como um ladrão de joias que cometia assassinatos, ainda que para mera distração das autoridades e, claro, do Batman, com o fim único e exclusivo de concluir seus ousados roubos.

Em verdade, ou contrário do Coringa que hoje conhecemos, em seus primórdios, o personagem não passava de um simples ladrão de aparência circense, com piadas sem graça e que não se importava em tirar algumas vidas para alcançar seus objetivos. (Embora já demonstrasse, por si só, uma notável afeição pela morte).

Apesar de sua apresentação em 1940 com características bastante violentas e definitivamente voltadas a um público adulto, no final da década de 50, em razão do Comics Code Authority, ou Código dos Quadrinhos, como foi chamado no Brasil, a evolução do personagem foi interrompida e ele passou a ser um mero ladrão paspalho e brincalhão, aliás, não apenas ele, Batman igualmente teve um declínio muito grande em todo o seu universo, sendo ambos resgatados tão somente na década de 70 pelo roteirista Dennis O’Neil e o artista Neal Adams.

Mas o que de fato foi alterado no Coringa no transcorrer de todas essas décadas? 

Começando pelo que não mudou, do ponto de vista deste escritor, a principal característica do Coringa, na realidade o seu maior ponto fraco e verdadeiramente imutável desde a sua criação, é o seu imenso EGO, já que sua aparência e piadas, embora ainda circense e sem graça, respectivamente, foram adaptadas às realidades pelas quais passou o personagem.


Em sua aparição nas páginas dominicais em 1946, na história “Coringa vs Pardal”, o palhaço do crime apenas se viu motivado a fugir da cadeia após a leitura de uma manchete de jornal em que qualificava o Pardal como o criminoso mais esperto de Gotham. Muito embora seu ego o tenha tirado da prisão, ao final da história o devolveu a ela. 

Em “Coringa: Advogado do Diabo”, publicado no Brasil em 1997, vemos por mais uma vez o vilão entrando pelo cano devido ao seu narcisismo absurdo, quase sendo executado na Cadeira Elétrica. 

Há tantos outros exemplos, como na saga “Crise Infinita”, em que ele se sentiu ofendido por não ser convocado a participar dos planos de Luthor da Terra 3 (ou seria Terra 2?), acabando por matá-lo com um tiro à queima roupa, mas não antes de jogar ácido em seu rosto. Enfim...

Como visto, é inegável que algumas características permaneceram, entretanto, a ladroagem ficou de lado cedendo lugar a planos – ao contrário do que muitos pensam – minunciosamente estruturados e com objetivos muitas vezes filosóficos, como observado em “A Piada Mortal” de Alan Moore, por exemplo. Além disso, os homicídios passaram a um patamar mais elevado, transformando-o um verdadeiro assassino em série. 

O fato é que com o passar do tempo, “O Coringa” foi ficando cada vez mais sombrio, sádico, sarcástico, psicótico, psicopata, dentre muitos outros adjetivos pouco admiráveis. É claro que alguns escritores são responsáveis por isso, senão vejamos: 

ALAN MOORE  


Autor do grande clássico “Batman: A Piada Mortal”, publicada em 1988, revolucionou o personagem, não somente por mostrar a origem do Coringa, mas sim por evidenciar suas atitudes insanas com o objetivo de provar que um dia ruim na vida de um bom homem pode sim enlouquecê-lo.

O Arlequim da Morte baleou Barbara Gordon deixando-a paraplégica, estuprou-a – observadas as entrelinhas – e barbarizou psicologicamente seu pai, o Comissário de Polícia James “Jim” Gordon, com o objetivo único e exclusivo de corroborar sua teoria.

De fato, é uma história perturbadora, principalmente para o ano em que foi publicada. 

CURIOSIDADES:  

Muitos pensam que foi Alan Moore o responsável por definir a origem do Coringa como o ladrão por trás do capuz vermelho, mas quem assim pensa está terrivelmente enganado.

 A origem do Coringa como Capuz Vermelho data de fevereiro de 1951, com a história “O homem por trás do elmo vermelho”, publicada em Detective Comics n.º 168, ou seja, ALAN MOORE NÃO FOI O CRIADOR DESTA TÃO COMENTADA E ACEITA ORIGEM DO PERSONAGEM. 

Outra coisa, não importante, mas sim curiosa, é que muito embora tenha sido uma obra absurdamente aclamada, Alan Moore acha este seu trabalho muito “mais ou menos”. (Vai entender... deve ser justamente por não ter sido ele o criador da famosa origem do palhaço.)

GRANT MORRISON 


Muito embora este escritor não me agrade (apenas uma mera opinião, sem a menor intenção de criar polêmicas), sua passagem pelo título do maior dos detetives, teve uma importância ímpar para a evolução do Coringa.

 Em “Asilo Arkham – Uma séria casa em um sério mundo”, publicada em 1989, Morrison introduziu a ideia de que o Palhaço não é louco, pelo contrário, ele é dotado de uma “supersanidade” que o faz se adaptar, recriando-se constantemente, para lidar com os efeitos de seu cotidiano.

Morrison mostra este processo com maestria incólume em sua obra publicada em abril de 2007, em Batman 663, intitulada “O Palhaço à meia-noite”. É de fato muito FODA (perdoe-me o palavreado, mas é que é de fato muito foda mesmo rsrsrs) a metamorfose que Morrison descreve, principalmente no capítulo “A Larva Coringa” (acho que era esse o nome).

Esta obra é muito interessante, pois além de seu conteúdo profundo, Morrison adotou o estilo das décadas de 20 e 30, onde não haviam ainda super-heróis, mas tão somente heróis, como Morcego Negro, O Sombra, O Aranha, dentre outros, e suas histórias eram contadas em literatura PULP, ou seja, na forma de escrita corrida – como a de um livro – com algumas gravuras, apenas.

É sem dúvida alguma uma leitura muito peculiar. 

CURIOSIDADES: 

A ideia criada por Morrison é de fato utilizada até hoje nos quadrinhos. Podemos observá-la, por exemplo, em “Um conto de Batman – De volta à sanidade”, publicada em 1995, mais precisamente quando o Morcego afirma a uma coadjuvante que “O Coringa” não a reconheceria, pois já havia se reinventado, passando a esquecer tudo o que haviam passado juntos (não foram estas a palavras exatas). Em uma fase mais recente, pode ser observada em “End Game” de Snyder e Capullo.  

BRIAN AZARELLO e LEE BERMEJO 


Diferentemente do que muitos pensam, esta obra foi inspirada no Coringa de Heath Ledge, e não ao contrário. Aqui vemos a arte fantástica de Bermejo (parece que vejo o ator todas as vezes em que folheio o gibi) e uma percepção ideológica do personagem muito pouco convencional por parte de Azarello. Gangster!!! 

Isso mesmo, na visão de Azarello, “O Coringa” é um maníaco sádico, muito perturbador e macabro, que ao ser liberto, busca, única e exclusivamente, o poder, a chefia do crime organizado de Gotham City, assim contrapondo todas as premissas do personagem ao longo do tempo. Apesar de ser uma excelente obra, na mais humilde opinião deste escritor, ela não traduz, nem de longe, o verdadeiro espírito do Coringa. 

TONY S. DANIEL 


Aqui começa uma jornada totalmente insana. Para quem não acompanhou Detective Comics, sempre se perguntou COMO e PORQUÊ “O Coringa” ficou sem sua face.

Bom, o “como”, a obra “Batman – Faces da Morte”, recém-saída na forma de encadernado – agosto de 2016 –, explica, já o porquê é outra história. Na verdade, não há qualquer obra que explique as razões que levaram o Palhaço a consentir que sua face lhe fosse removida. (Na verdade eu preciso reler a obra, bem como a sequência criada por Snyder e Capullo, pois deve sim haver uma explicação, ainda que subliminar.) O fato é que essa é indubitavelmente a fase mais insana, horrenda, psicótica, do personagem. (Fala sério, ele está sem o rosto!) 

SCOTT SNYDER e GREG CAPULLO 


Impossível comentar esta fase sem comparar estes dois grandes arcos: “Morte em Família” e “A Morte da Família”. 

Do ponto de vista deste fã que vos escreve, o primeiro arco, publicado em 1988, é um tanto quanto bobo. Ele mostra um Coringa precisando de dinheiro, um Robin atrás de sua verdadeira mãe e um Batman, como sempre, no encalço do vilão. Assim se desenrola a história, cada um para o seu lado, mas ao final convergindo em um megaevento “apocalíptico” que abalou todos fãs de quadrinhos: o brutal assassinato de Jason Todd.

Entretanto, diferentemente do ocorrido na recente fase dos Novos 52, a morte de Robin, naquela época, foi tão somente a união do útil ao agradável, do momento, da oportunidade. Em “Morte da Família”, temos algo bem distinto. Neste arco podemos observar não apenas um vilão aproveitando o fortuito, mas sim um arqui-inimigo com sede de vingança, que arquitetou minunciosamente cada parte de sua “vendetta” para derrotar o rival. Particularmente, acho esta saga muito mais bem elaborada. Na verdade, ela faz inúmeras referências (homenagens acho que traduz melhor a intenção do autor) às fases mais antigas do personagem, mas isto é assunto para outra matéria. Para quem achou insano um Palhaço sem rosto, imagina então um Palhaço imortal!!!

É isso mesmo!!! Snyder e Capullo criaram na saga “End Game” um coringa totalmente diferente daquele apresentado em “A Morte da Família”. (Ele renasceu!!! Lembra de Morrison?!)

 Além de manter a arte da fase de Grant Morrison, a dupla mostra um Coringa pouco diferente, apenas um pouco mais sério, sombrio, psicótico, genocida, de intentos discretamente mais maquiavélicos que o apresentado pelo escocês, mas de origem totalmente desconhecida, e aí sim inovando, abandonando o clichê do Capuz Vermelho, e apresentando aos leitores um personagem imortal, que transcendeu até mesmo séculos, com a alcunha de “o homem pálido”. 

Particularmente eu achei esta fase uma baita duma prepotência da dupla, principalmente no que diz respeito ao final: morreu ou não morreu? Acho que eles sofreram de um complexo de Alan Moore muito grande, mas isto também é assunto para um outro dia.

A verdade é que a cada fase em que reaparece, “O Coringa” está cada vez mais parecido com aquele personagem de Stephen King – It – retratado em sua obra “It – Uma Obra Prima do Medo”, só falta dizerem que ele é alienígena. 

CURIOSIDADES: 

Após a publicação da aclamada obra “Batman – Morte em Família”, Jim Starlin foi demitido da editora (ha-ha-ha-hi-hi-ha), não era para menos, afinal, o que a DC iria fazer com tantos produtos da linha Batman e Robin que estavam no mercado, se já não existia mais Robin? (Que prejuízo!)  


“O CORINGA” NOS CINEMAS 

Em 1989, Jack Nicholson relevou aos fãs o verdadeiro espírito do Coringa dos quadrinhos: ladrão, lunático, homicida e com um senso de humor inusitado (apenas ele acha suas piadas engraçadas). 

Em 2008, o mundo viu um ator calar a boca de todos aqueles que praguejaram contra a sua escolha para a interpretação do personagem, sobretudo contra o visual adotado (eu fui um dos hereges).

Heath Ledge mostrou aos fãs de quadrinhos um Coringa com um propósito superior por trás de sua aparente insanidade. Um personagem já alterado por Alan Moore em sua obra “A Piada Mortal”, cuja premissa está integralmente presente no filme, já que o objetivo do Coringa revelou-se transformar o nobre agente da justiça, o Promotor Harvey Dent, naquilo que ele mais detestava e combatia. No filme, “O Coringa” luta para trazer à luz o lado mau que todas as pessoas insistem em ocultar em suas trevas (até parece enredo das obras de Stephen King), ele age mais do que como um “agente do caos”, ele age como um “agente da verdade”. 

Foi uma ótima sacada e de fato funcionou muito bem, de modo que será difícil superá-lo, o que nos leva a Jared Leto. Leto mostrou, ao menos para mim, um Coringa sem identidade. Ele fundiu milhares de referências em um só personagem, de modo que não inovou e muito menos definiu uma linha a ser seguida. Para mim, a sua principal falha, foi a total ausência de humor – ainda que daquelas piadas em que apenas ele encontra graça –, bem como a obsessão sem limites por Arlequina, a qual, inclusive, está presente na primeira fase do Esquadrão Suicida, nos Novos 52, mas que me desagrada profundamente.

CURIOSIDADES

As cicatrizes incorporadas ao visual do Coringa interpretado por Heath Ledge nos cinemas, não são inéditas. 


Isso mesmo, amiguinho! Um ano antes, o escocês Grant Morrison, em sua obra “O Palhaço à Meia-Noite”, de abril de 2007, já mencionada neste artigo, introduziu um Coringa com cicatrizes nas bochechas, causadas, na história, por uma cirurgia de reconstrução de seu maxilar, em razão de um tiro desferido por ninguém menos que o Batman. (Na verdade foi um sósia, um policial com complexo de vigilante mascarado rsrs.)  

O igualmente curioso, é que o Coringa de Morrison saliva constantemente, assim como o de Ledge nos cinemas. 

Será coincidência, ou será que o ator andou folheando as obras do escocês? 


As tatuagens do Coringa de Leto também não são inéditas.


Frank Miller, em sua obra “Grandes Astros Batman e Robin” (não me recordo o ano da publicação), a qual, inclusive, muitos detestam, tendo a convicção de que o autor estava de pura sacanagem com a editora e os fãs, ele retrata um Coringa com tatuagens, não as mesmas, mas ainda sim tatuado. 

Voltando à obra de Morrison, é provável que os dentes desse Coringa, assim como as cicatrizes do retratado pelo escocês, sejam consequências de atos mais violentos e descontrolados de Batman, o que ainda será revelado nesta novo cronologia da DC. 

A OBSESSÃO DO CORINGA

 Entra fase e sai fase, mas “O Coringa” continua obcecado por uma única coisa: BATMAN. Batman é para ele a piada que nunca pode ter fim. É a razão de sua existência. Talvez não tenha sido esta a ideia original, mas ao longo de sua evolução ela foi mais do que sacramentada, inclusive com o arco “Um conto de Batman – De volta à sanidade”, em que quando o vilão pensa ter matado seu rival, percebe não mais haver razão para tudo aquilo e decide voltar a ter uma vida normal como Joseph Kerr. 

Nos Novo 52, na primeira fase de Esquadrão Suicida, tentaram modificar um pouco isto, afastando parte desta obsessão pelo Morcego, redirecionando-a a Arlequina, o que, no meu ponto de vista, soa muito falso, pois se trata de uma personagem recente, retirada de uma série animada, e que, portanto, não possui uma longínqua relação com o personagem, mas claro, respeitando quem pensa de forma contrária.

MAS O QUE SERÁ DO CORINGA?

 Em time que está ganhando não se mexe! No entanto, é fato que este time vai de mal a pior e por isso o personagem precisa ser urgentemente repaginado. É visível o desagrado dos fãs para com o rumo que o personagem tomou nos quadrinhos – e agora nos cinemas –, mas a DC Comics está de olho, tanto que preparou a tal existência de 3 (três) Coringas, o que para mim, não passa de um “plebiscito” para os fãs dizerem qual Coringa eles preferem. 

A questão é que a DC perdeu a mão com o personagem. Ela está tão preocupada em “escurecer” seu universo, que está por transformar um vilão de personalidade imprevisível – e aí está o seu verdadeiro encanto –, num reles serial killer: metódico, sistemático, previsível.

O tempero do Coringa há tempos se foi, e ele se tornou apenas mais um vilão na galeria do Batman. Espero sinceramente que a DC em sua nova fase resgate o verdadeiro espírito do palhaço, pois ao menos eu, espero novamente encontrar nas páginas da editora um Coringa nos moldes daquele que Alan Moore nos mostrou em sua grande obra “A Piada Mortal”, ou seja, um personagem devidamente equilibrado em seus atributos físicos e mentais, melhor dizendo, nem palhaço demais, nem de menos; nem psicopata demais, nem de menos; nem sádico demais, nem de menos; nem com propósitos demais, nem de menos; e acima de tudo, imprevisível.


Sobre o autor

Gonçalves J. F. Macedo: Advogado, escritor, amante de tatuagens e grande fã da DC Comics.




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